Trauma na infância deixa marcas na adolescência: o que a ciência brasileira já mostrou.
- Luiz Gonzaga
- 28 de out.
- 4 min de leitura

Por Dr. Luiz Eduardo Gonzaga – Psiquiatra | CRM‑MG 86523 | RQE 61965 | RQE 65827
Resumo rápido (5 pontos)
Trauma infantil não é “apenas lembrança ruim”: aumenta o risco de transtornos na adolescência. PubMed
Na Coorte de Nascimento de 2004 (Pelotas, RS), 81,2% dos jovens relataram ao menos um trauma até os 18 anos. PubMed
Quanto mais tipos diferentes de trauma, maior a chance de transtornos de ansiedade, humor e conduta; aos 18 anos, ~30% dos transtornos foram potencialmente explicados pela exposição traumática (fração atribuível populacional: 30,6%). PubMed
Avaliar precocemente e acompanhar quem viveu múltiplos traumas reduz risco e sofrimento. Diretrizes da OMS recomendam ações preventivas e psicossociais baseadas em evidências. World Health Organization+1
Terapias focadas em trauma (especialmente TF‑CBT) têm eficácia consistente em crianças e adolescentes; há evidência em crescimento para EMDR. Frontiers+3PubMed+3PMC+3
Por que falar de trauma infantil?
“Trauma” abrange experiências como acidentes graves, violência (presenciada ou sofrida), abuso, negligência, desastres, morte de um dos pais e outras situações ameaçadoras. Essas vivências acionam respostas de estresse intensas e, quando se acumulam, podem alterar trajetórias de desenvolvimento emocional e comportamental — especialmente na transição para a adolescência. PubMed
O que mostrou o estudo brasileiro de Pelotas?
No seguimento da Coorte de Nascimento de 2004 (Pelotas/RS), que acompanhou 4.229 adolescentes, pesquisadores avaliaram diagnósticos psiquiátricos aos 15 e 18 anos e mapearam 12 tipos de experiências traumáticas ao longo da vida. Os resultados foram claros:
Prevalência: 81,2% tiveram pelo menos um trauma até os 18 anos.
Efeito cumulativo (dose–resposta): a cada categoria adicional de trauma, aumentaram as chances de “qualquer transtorno” e, especificamente, de ansiedade, humor e conduta na adolescência (associações significativas já aos 15, e ainda mais robustas aos 18 anos).
Impacto populacional: estimou‑se que 30,6% dos transtornos aos 18 anos poderiam ser evitados se não houvesse exposição traumática (estimativa de fração atribuível populacional).Esses achados reforçam a necessidade de prevenção, triagem e cuidado focado no trauma em nível familiar, escolar e de serviços de saúde. PubMed
Sinais de alerta que merecem atenção
Mudanças bruscas de humor, irritabilidade ou retraimento.
Ansiedade persistente, medos novos, hipervigilância.
Pesadelos, dificuldade de sono ou queixas físicas sem causa médica clara.
Queda no rendimento escolar ou problemas de comportamento (explosões, transgressões).
Uso de álcool ou outras substâncias como forma de lidar com emoções.A presença desses sinais não faz diagnóstico, mas indica que vale avaliar com um profissional capacitado. PubMed
O que fazer na prática (pais, responsáveis e escolas)
Escuta segura e validação: acolha o relato sem minimizar (“isso não foi nada”) nem exigir detalhes.
Proteção e rotinas: garanta segurança, horários estáveis de sono e alimentação, e retome gradualmente atividades prazerosas.
Acione a rede: escola, atenção primária e serviços especializados devem compartilhar um plano simples de apoio. As diretrizes da OMS sugerem intervenções preventivas e psicossociais estruturadas para adolescentes. World Health Organization+1
Triagem breve quando houver suspeita: instrumentos validados no Brasil, como o CRIES‑8 (Children’s Revised Impact of Event Scale), ajudam a identificar jovens em risco de TEPT e priorizar encaminhamentos. SciELO
O que funciona: terapias com melhor evidência
TF‑CBT (Terapia Cognitivo‑Comportamental focada em trauma)
Primeira linha para jovens com sintomas relacionados a trauma: melhora sintomas de TEPT e também depressão/ansiedade, com efeitos mantidos em seguimentos. Evidência robusta de meta‑análises (incluindo análise com dados individuais) respalda o uso como tratamento preferencial. PubMed+1
EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares)
Há benefício na redução de sintomas de TEPT em crianças e adolescentes em ensaios e meta‑análises, embora a base de evidências seja menor que a de TF‑CBT e com maior heterogeneidade entre estudos. Pode ser considerada por profissionais treinados, de acordo com o perfil do paciente e preferências da família. Frontiers
Observação: revisões Cochrane reforçam a eficácia de terapias psicológicas, em especial CBT/TF‑CBT, para PTSD na infância e adolescência; para outras abordagens, a qualidade da evidência ainda é mais incerta. PubMed+1
Por que identificar múltiplos traumas cedo?
O estudo de Pelotas demonstrou um gradiente claro: tipos diferentes de traumas somam riscos. Crianças com maior “carga traumática” aos 11 e 15 anos apresentaram mais diagnósticos aos 15–18 anos, especialmente em ansiedade, humor e conduta. Detectar precocemente essa acumulação permite intervenções dirigidas (psicoterapia, suporte familiar e escolar) e reduz a chance de adoecimento na virada para a vida adulta. PubMed
Quando procurar avaliação especializada?
Se os sintomas persistirem por semanas ou piorarem (medos intensos, evitamentos, irritabilidade marcante, sofrimento funcional).
Se houver autoagressão, pensamentos de morte ou risco à segurança.
Se a escola/família percebem que “nada do que tentamos está ajudando”.
Uma avaliação cuidadosa permite plano individualizado, que pode incluir psicoterapia focada em trauma e, quando indicado, outras estratégias clínicas integradas às rotinas da família e da escola. World Health Organization
Agende sua consulta (BH ou on‑line)
Se você é responsável por crianças ou adolescentes e identificou sinais de sofrimento, posso ajudar.WhatsApp: +55 31 98334‑1422 | Doctoralia.Vamos construir, juntos, um plano de cuidado individualizado e baseado em evidências.Conteúdo educativo. Não substitui avaliação individual.
Referências selecionadas
Bailey M, et al. Lancet Global Health (2025): Coorte de Pelotas 2004 – 81,2% expostos a trauma até 18 anos; efeito cumulativo e fração atribuível populacional de 30,6% para transtornos aos 18 anos. PubMed
de Haan A, et al. Lancet Child & Adolescent Health (2024): Meta‑análise com dados individuais confirma CBT/TF‑CBT como primeira linha em jovens com TEPT. PubMed
Thielemann JFB, et al. Child Abuse & Neglect (2023): Revisão sistemática/meta‑análise demonstra eficácia de TF‑CBT para sintomas de TEPT, depressão e ansiedade em crianças/adolescentes. PMC
Moreno‑Alcázar A, et al. Frontiers in Psychology (2017): Meta‑análise de ECRs indica benefícios de EMDR em jovens com sintomas associados ao trauma. Frontiers
OMS – Helping Adolescents Thrive (HAT) e guia OMS/UNICEF (2024): recomendações de promoção, prevenção e organização de serviços de saúde mental para adolescentes. World Health Organization+1
Magalhães SS, et al. Archives of Clinical Psychiatry (2018): Validação brasileira do CRIES‑8 para triagem de TEPT em crianças/adolescentes






Comentários